O SANTUÁRIO RUPESTRE
DA ROCHA DA MINA
São Miguel da Mota está morto
A Rocha da Mina permanece viva.
No concelho do Alandroal no Alentejo existe um santuário natural com
origens distantes que ainda hoje deslumbra quem o visita.
Considerações sobre o local
É
constituido por uma escarpa rochosa onde se visualizam degraus e possíveis áreas de
sacrificios além de uma fenda que pode ter sido um poço.
É
rodeado por uma ribeira, a ribeira do Lucifecit que contorna o rochedo em forma
de ferradura.
Provável Santuário
da Idade do Ferro, "talhado" num expressivo esporão xistoso de
vertentes abruptas, com cerca de 12 metros de altura.
O
rochedo impõe-se altivo na Ribeira
de Lucefecit, obrigando-a a contornar a sua dureza, produzindo um
meandro a caminho do Guadiana.
Na
estrutura geológica foram talhados 4 degraus, construídos muros e organizados
pavimentos, elementos recorrentes em santuários pré-romanos, alguns dos quais
romanizados.
Perto
existe uma fonte santa, que provávelmente deu inicio à ocupação da
zona por povos primitivos ibero-celtas e que
evocam o papel das águas lustrais, purificadoras e terapêuticas, no âmbito da
religião praticada geralmente neste tipo de locais sagrados.
Fonte santa
Considerações e hipóteses históricas
Esta
região era habitada por um povo chamado de iberos cerca de 2000 antes de Cristo e durante a idade do ferro.
Este povo
ibero, era um povo que vivia da caça e pesca ao redor da ribeira do Lucifecit,
um povo altamente supersticioso para quem os sonhos eram tidos como recados
duma suposta divindade, para a qual nem sequer ainda tinham inventado um
corpo.
Essa
suposta divindade ou deus primitivo foi muito provavelmente herdado já dos seus
antepassados muito antes de para cá virem.
Era um ente
meio satânico meio deus, que tanto podia castigar como perdoar.
Então,
para aplacarem a sua ira, e terem boa caça e pesca, ofereciam-lhe de entre
outras coisas, sacrifícios de animais.
E foi
este povo ibero, que os celtas aqui vieram encontrar cerca de 1000 anos antes
de Cristo.
Também os celtas traziam a sua religião que acabaria por
fundir-se com a religião local.
Os
iberos que viviam ao redor da Ribeira de Lucifécit, muito antes da chegada dos celtas, de início poderão ter sido politeístas, prática que
terão abandonado quando começaram a adorar na Rocha da Mina a divindade que
eles terão criado em conjunto com os celtas: o deus Endovélico ou pelo menos um deus que mais tarde foi romanizado com o nome de Endovélico.
Terá
surgido nessa altura século II ou I A.C., no local hoje designado de "Rocha da Mina", junto
à Ribeira de Lucifécit, um santuário rupestre implantado num esporão
rochoso com vertentes abruptas de 12 metros e de área
habitável extremamente reduzida.
Seria um
santuário ao Deus Endovélico, o mais conhecido dos Deuses Antigos da
Lusitânia.
Porém, para aquele grupo de celtas que acabou por se juntar aos iberos da
Ribeira de Lucifécit, o seu conceito de religião não devia ser o de adorarem
vários deuses.
Teriam,
isso sim, a prática de adorar a natureza. As montanhas, os bosques, as árvores,
tudo que se relacionasse com a natureza.
O que caracterizam os santuários
celtas é eles serem a própria paisagem, onde as forças da natureza se
manifestam sem qualquer elemento de humanização.
O celta não sente necessidade de
construir templos para abrigar os seus Deuses, pois encontram-nos nas fontes,
rios, florestas, montanhas, na matéria divinizada da natureza.
E isso
não entrava em conflito com a adoração que os iberos aqui professavam, adoração
essa também praticada em plena natureza, num ponto alto, no cimo dum enorme
rochedo, a Rocha da Mina.
Em face
disto, celtas e iberos acabaram por se influenciar uns aos outros muito favorávelmente
na delicada questão da religião.
A religião dos iberos da Ribeira de Lucifécit
não dispunha ainda de sacerdotes.
Os pastores nas suas preces em horas de
aflição, invocavam o seu deus em favor dos seus rebanhos, da sua saúde e da sua
segurança.
Ponte de acesso sobre a ribeira do Lucefécit
Os Celtas quando chegaram aqui à
Ribeira de Lucifécit, já eram portadores duma cultura e professavam uma
religião, em que o seu deus era apenas um.
Mas era um deus polivalente! Ainda
não adoravam imagens.
Era tão só a ideia do ente superior materializado na
natureza.
Adoravam a floresta virgem e as
montanhas, as quais consideravam sagradas.
E
não construíam templos, pois consideravam impróprio adorar a Deus em templos
feitos pelo homem.
Os
celtas, detentores duma cultura a um nível geral bem mais avançada do que a dos
iberos, dispunham de sacerdotes, na sua maioria mulheres.
Estes
sacerdotes, ou sacerdotisas, os Druídas, além de dirigirem as cerimónias
religiosas, devido aos seus amplos conhecimentos de filosofia, geografia,
astronomia, etc., podiam ser considerados os intelectuais da época na sociedade
em que estavam inseridos.
Com os
Druídas a dirigirem as cerimónias religiosas, estas terão começado a processar-se
com uma certa regularidade que não existia antes.
Supostamente,
os degraus talhados no topo da Rocha da Mina terão surgido após a chegada dos
celtas, para que aí fossem depositadas as oferendas ao deus Endovélico, as
quais seriam depois recolhidas e reverteriam em benefício dos Druídas.
Os
quatro degraus talhados na rocha terão sido o primitivo altar utilizado pelos
celtas para a prática do culto ao seu deus, associado à luz, à fertilidade e à
carne e sugerem a existência
de rituais, sacrifícios de animais e, possivelmente, festas de natureza ritual.
A romanização e posterior cristianização do local
Este culto celta a um misterioso deus pagão: o
Endovelicus seria prolongado pelo período romano.
Os romanos chegados ao local no séc. 1-2 DC e vendo a
força popular deste culto, acharam por bem manter (normalmente os romanos
conservam e mantêm as tradições populares dos povos que governam) esta tradição
religiosa mas atendendo às limitações espaciais do local resolveram transladá-lo
para terem mais espaço para o alto duma outra “sagrada
montanha” em frente, no Outeiro de São Miguel no séc. 3.4, onde edificaram para o deus
Endovélico um templo em mármore branco e
que chegou a ser o santuário mais importante da Peninsula Ibérica aonde vinham ricos
e pobres num raio de 300 kms.
O culto foi
muito intenso e popular como se comprova pelos numerosos ex-votos por eles
deixados que hoje se encontram em grande número no Museu Nacional de Arqueologia em Belém.
O nome da ribeira pode derivar de Lucifer
que começou por ser o Príncipe da Luz e acaba transformado no Príncipe das
Trevas, o senhor do Mal, a origem do erro contra Deus.
E por isso é Lucifer, senhor dos
demónios, o nome dado à ribeira, já em época cristã, em cuja proximidade
geográfica se erguia o templo rupestre e santuário natural dedicado a
Endovélico, com a sua extraordinária abundância de imagens de antigas deidades
pagãs, entendidas pelas populações cristãs como "demónios’’.
O culto de Endovélico prevaleceu até ao século quinto,
quando o cristianismo se começou a espalhar na região e o local foi transformado em Igreja de Sao Miguel da
Mota.
Curiosamente a igreja cristã no
Outeiro de S. Miguel da Mota foi dedicada ao próprio arcanjo Miguel que combateu
e venceu Lucifer, representado com o dragão espezinhado a seus pés, numa
(re)sacralização de um local.
A fonte
santa pagã deu origem a um pequeno santuário cristão, hoje em ruinas, onde se
faziam regularmente procissões e culto a Nossa Senhora da Conceição.
Considerações e teorias-hipóteses sobre a sua utilização
Esta ligação do mundo oculto das profundezas ao mundo dos homens irá reflectir-se na religiosidade aqui desenvolvida pelos povos locais.
Note-se que a ligação simbólica ao mundo subterrâneo, remete, aparentemente, para a própria origem telúrica do deus Endovélico, manifesta na expressão ad avernum, referenciada numa das lápides dedicadas a essa divindade, em época romana.
Esse carácter telúrico é reforçado pela presença de um pego ( que nunca deixa de ter água mesmo em verões rigorosos) , junto ao rochedo, onde, segundo as crenças populares, existiria uma passagem subaquática para uma cavidade subterrânea e bolas de ouro.
O santuário parece, de certa forma, constituir, metaforicamente, uma ponte entre o Céu e a Terra, entre o telúrico e o ctónico ou, noutra perspectiva, uma síntese entre os menires - virados ao Céu - e as antas ou as grutas, naturais ou artificiais, dirigidas ao mundo inferior.
Poço por trás do altar sacrificial
Endóvelico era o Deus da saúde associado com oráculos telúricos e cura, e provavelmente o destinatário de sacrifícios de animais, em especial porcos pelas lápides encontradas.
Mais que ser Deus, Endovélico seria o
Génio ou Numen do local, sendo os Numens as
forças telúricas desse local a quem os
povos locais prestavam culto e pediam favores.
Alguns suspeitam que ele também era um
deus que usava várias faces, uma das quais pode ter sido a "infernal",
ou subterrânea uma vez que todos os deuses solares desceram ao inferno e
voltaram com poder de cura.
Os crentes praticaram a incubatio , um
processo usado na antiguidade para consultar as divindades e dormiam nos templos ou na
sua proximidade na esperança que
o seus sonhos pudessem ser interpretados mais tarde pelos
sacerdotes ou por eles mesmos e que Endovélico conversaria mesmo com eles em
seus sonhos para lhes dizer o seu futuro e oferecer conselhos e cura.
Como os
sonhos eram considerados "filhos da terra", existe o tal poço ou
cavidade onde se recebiam as inspirações de Endovélico.
Orificios na parede do poço eventualmente para sustentação de traves madeira
Um autor pensa que o poço que está por
baixo do altar a que se acede subindo os 4 degraus poderia ser não um local de ‘incubatio’,
de dormida do peregrino para receber em sonhos a resposta ao seu pedido, mas
sim que seria aí que seriam queimados os animais, cujo fumo subiria para cima
para o balcão ou altar onde estaria um sacerdote ou sacerdotisa que inspirando
esse vapores assinalaria o ‘oráculo’ e as profecias.
O poço não é natural, foi escavado
pelo homem por detrás e por baixo do altar , logo teve uma finalidade
relacionada com o altar, seria de ‘incubatio’ individual ( face ao espaço exiguo não cabe lá mais que uma pessoa ) para iniciados escolhidos ou de
sacrificios rituais ?
Existem inscrições que sugerem que o
templo do Endovélico foi usado como um oráculo, vapor surgiria a partir de baixo,
nas profundezas da terra, e conferiria clarividência.
Endovélico
seria, provavelmente, consultado de forma similar.
Daí alguns
autores mais ‘imaginativos’ falarem da Rocha da Mina como a Delfos ibérica.
Segundo algumas teorias seria um túnel iniciático cuja passagem por debaixo do rio evoca a passagem ao «outro mundo», o que está de acordo com a simbologia de uma divindade concomitantemente solar e infernal, portanto iniciática.
Essas mesmas teorias sobre o simbolismo do local , falam que ao atravessar a ribeira para chegar ao santuário o crente estaria a atravessar simbolicamente o rio de Letes que na Grécia antiga é o rio que se tem de atravessar para chegar ao mundo dos mortos.
Nessa ribeira se purificaria a si mesmo e aos animais que levaria para sacrificar.
Após os
rituais praticados no santuário voltaria ao mundo dos vivos de novo
atravessando a ribeira Lucefecit ( Fez-se Luz) como se tivesse renascido pela
experiência pessoal que tinha passado indo ao mundo dos mortos, atravessado a
fronteira da própria morte, para melhor viver a sua vida.
Aqui na Rocha
da Mina ir-se-ia pela cura espiritual, pelo passar pela morte, pelo submundo
para regressar à vida renascido enquanto mais tarde no Santuário do Outeiro de
S.Miguel se iria mais pelas curas do corpo que do espirito .
O altar da
Rocha da Mina está voltado para o pôr do sol (relacionado com a morte e o
espirito) enquanto o Santuário do
Outeiro de S.Miguel está virado ao nascer do sol (relacionado com o corpo e a
vida), serão meras coincidências ?
Exploração arqueológica do local
Permanece, contudo, a dúvida se as estruturas se enquadram no próprio complexo ritual do santuário ou se se trata de um verdadeiro povoado onde aquele se integra.
Desde 2011 até hoje no mês de Agosto, o arqueossítio tem sido alvo de escavações e os trabalhos têm vindo a revelar uma área habitacional na plataforma inferior, junto do santuário, com cinco compartimentos estruturados entre si e delimitados, a nascente, pela presença de um afloramento rochoso e/ou de uma muralha.
Na plataforma superior (no santuário propriamente dito) escavou-se os restos de estratigrafia existentes sobre a rocha e o interior do "poço".
Lareira numa habitação
Os vestígios de ocupação de acordo com as escavações até agora remetem para cronologias dos anos 50/40 do século I a.C.
O conjunto artefactual permitiu ainda atestar a absoluta contemporaneidade entre as ocupações documentadas em ambas as plataformas.
Conclusões finais
Seja qual for a nossa opinião sobre as
teorias existentes o que importa é visitar este local sagrado e sentir que ali
se viveram experiências importantes para os povos da altura consoante as suas
tradições e religiosidade.
Faz parte daquela categoria de obras humanas, que, tal como os monumentos megalíticos, parecem ter sido criadas para isso mesmo.
São construções que proclamam, de forma inequívoca, ideias e valores fundamentais e evocam mistérios.
A pedra sempre foi como símbolo de eternidade, o material que, por natureza, transcende o tempo humano e que liga o mundo sagrado ao mundo dos homens.
É um local
sagrado que auxilia quem Caminha a se centrar ainda com mais força na sua Via.
Elucidativo!
ResponderEliminarEsta semana andámos às voltas mas não demos com ele!
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